O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto. 2021 (Coleção repensando o ensino), BITTENCOURT, Circe (org)

A obra O saber histórico na sala de aula, organizada por Circe Bittencourt, divide-se em 11 artigos, ordenadas em duas temáticas: Propostas curriculares e Linguagem e ensino. Neste livro, os diversos autores, incluindo a própria organizadora, fazem uma explanação das implicações e recursos do saber...

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Published inDialogia (São Paulo) no. 45; p. e24084
Main Authors Pereira, Mislene Inocêncio, Silva, Mauricio Pedro
Format Journal Article
LanguageEnglish
Published Universidade Nove de Julho 18.08.2023
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Summary:A obra O saber histórico na sala de aula, organizada por Circe Bittencourt, divide-se em 11 artigos, ordenadas em duas temáticas: Propostas curriculares e Linguagem e ensino. Neste livro, os diversos autores, incluindo a própria organizadora, fazem uma explanação das implicações e recursos do saber histórico em sala de aula. Professora doutora dos programas de pós-graduação da Faculdade de educação da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP), Circe Bittencourt é pesquisadora do ensino de História e tem sua trajetória acadêmica vinculada à área de História.              É consenso entre os autores da obra, a afirmativa de que os saberes históricos em sala de aula passam por transformações consideráveis na atualidade, principalmente no que tange aos novos métodos e conteúdos, impulsionados pelas leis 10.639/03 e 11.645/08 que alteraram a LDB 96, tornando obrigatório o ensino afro indígena nas escolas de educação básica do Brasil. O alcance dessas transformações e a continuidade do conhecimento histórico, da documentação, das diretrizes educacionais (currículo pré-ativo) e do currículo real (currículo ativo), ou seja, algumas das ações para que essa demanda seja cumprida, são objetos de estudo desta obra.             Para desvendar as cisões e os conflitos entre o currículo pré-ativo (aquele regido pelas leis educacionais) e o ativo (o que trata da realidade em sala de aula), é preciso associá-los aos contextos históricos que lhes definiram. O primeiro contexto, tem seu foco nos tempos da ditadura militar no Brasil a constituição de seus conceitos fundamentais, regidos pela ideia de Estado-nação e de preparação do aluno para a condição de cidadão político, aquele que respeita o estado em sua supremacia, como organizador maior das relações sociais e vida política.  O segundo contexto ganha força com a industrialização dos grandes centros urbanos, expansão e diversificação do público escolar, a democratização da escola pública, as políticas públicas de acesso e permanência do/a estudante na escola, as lutas sociais e a abertura democrática na vida pública do país.             Nesse contexto, uma outra cisão na forma de enxergar as relações educacionais passou pela ideia imediatista, alimentada pela mídia, de um passado como algo ultrapassado e, portanto, inferior, trazendo aos estudos históricos um demérito e, por isso, instaurando a necessidade de “novos” métodos e conteúdos, já que os “antigos” não dialogavam mais com essa escola.             A educação tecnicista, lembram os autores, é o viés que marcou a sociedade capitalista, durante os séculos XIX e início do XX, embasaram a formação do ensino de história no país, contribuindo com as diretrizes e ações do currículo. A base dos conteúdos seguiu a linha econômica, atrelada à forma hegemônica e eurocêntrica de ver o mundo, o que, para o ensino de história, representou a hierarquização dos saberes que inferiorizou a participação de indígenas (tomados como seres presos ao passado), da população negra (vista como mercadoria a ser diluída com a política do embranquecimento e da miscigenação) e do europeu (exaltado como herói nacional, que trouxe a civilização e o sentido de nação a um território tido como selvagem e atrasado) na formação do Brasil.               O livro apresenta, ainda, um histórico do ensino de história no Brasil, que posiciona a hierarquização de saberes no sistema de ensino nacional. Desde 1837, no Colégio Pedro II, responsável pelo ensino de história no país, representante de uma história iconográfica, hierarquizante, que priorizava a interferência europeia no Brasil, sob o argumento da civilidade e da emancipação da educação brasileira, tornando-a inseparável da história da Europa, nomeada de história geral,  Apenas em 1942, o currículo de história separou a “história Geral” da história do Brasil, mas ainda assim, esta última atrelada à ideia de Estado-nação, identidade nacional e tecnicista, ou seja, à luz e imagem do pensamento ocidental europeu. Essas mudanças foram feitas pela chamada Reforma de Capanema. Com a Lei de Diretrizes e Bases Nacional (LDB 4024/61), que americanizou o currículo, sob influência direta do liberalismo, a Reforma de Capanema já não atendia aos anseios da sociedade brasileira, e o ensino da história passou a concretizar uma visão liberal tradicional.             Bitencourt destaca que, paralelas a essas mudanças, a proposta de Paulo Freire, com os temas geradores, apresentava-se como alternativa contra-hegemônica nos conturbados anos 60, apoiadas no conceito de inovação dos conteúdos, para melhor dialogar com a diversidade social. Tendo no debate e no diálogo seus principais alicerces, a proposta freireana voltava-se para uma educação com sentidos reais no cotidiano, sendo o maior desafio levar a ideia de que as implicações sociais e culturais são intrínsecas ao processo econômico e, assim, redimensionar o cidadão político, entendendo as relações de trabalho e alienação social numa perspectiva de maior alcance das classes populares, levantando inclusive a proposta de descolonização a partir dos estudos e vida política de Amilcar Cabral.             Nessa dinâmica, é possível perceber o quanto o currículo é um instrumento de poder na sociedade, com seus rumos mudados de acordo com os anseios e movimentos da sociedade, tornando-se, por isso, fundamental para a prática educativa tomar consciência deste processo.             No referido livro, chama-se a atenção, ainda, para as escolhas radicais, entre os currículos e a forma como lidar com a história, sendo importante não desconsiderar o cidadão político, comumente atrelado à visão da educação nacionalista da ditadura, tampouco despolitizar a história com o presenteísmo, mas ampliar a visão para o que pode ser acrescentado a ele por linhas subsequentes da história – não se deve, assim, construir uma história apenas do tempo presente, que se autoexplica, mas é preciso considerar o caráter político e filosófico da história, para além do científico-tecnicista, para então perceber as influências do passado, garantindo uma visão dialética e futura da história.             Neste caminho está a formação e atualização do professor de história, associada à modernização do currículo, peças indispensáveis para superar o ensino tradicional de história. É o professor a peça chave para dar significado à história, já que os fatos históricos têm inúmeras interpretações e a forma como lidar com o conteúdo, de maneira factual ou processual, faz toda a diferença, para mostrar o quanto a história se faz do cotidiano. Nesta perspectiva, o aluno passa a ser visto e a se ver como fazedor da história, desatrelada dos grandes heróis. É importante ainda atentar-se para os perigos da análise causal, que busca causas longínquas para os processos históricos, sem pluralidades e contextos - mais importante que a causalidade, é saber das mudanças e permanências, saber lidar com análise de documentos históricos, entender o processo histórico. Para além dos conteúdos prontos do livro didático e dos meios tecnológicos, é preciso que eles interajam com o currículo e com a prática pedagógica.             Os autores discutem, finalmente, os processos de composição e escolhas do livro didático, a necessidade do professor de adotar um olhar crítico de qualquer instrumento de aprendizagem que entrar na sala de aula; sua responsabilidade em enxergar o aluno como o segundo autor do livro didático, possibilitando a ele o contato mais diversificado possível, para que ele construa sua obra enquanto sujeito histórico. Pensando nisso, a visita aos museus históricos torna-se imprescindível, sendo observando com cuidado suas possibilidades educativas. O mesmo pode-se dizer da utilização da TV na sala de aula, que deve passar por uma série de reflexões pedagógicas, intrínsecas ao currículo ativo.             Esses e outros assuntos fazem do livro O saber histórico na sala de aula, organizado por Circe Bittencourt, leitura necessária não apenas aos professores de história, mas a todos aqueles que, independentemente de sua área, se incluam na perspectiva de uma educação democrática e de qualidade.
ISSN:1677-1303
1983-9294
DOI:10.5585/45.2023.24084