Mortalidade masculina por causas externas em três agregados ecológicos (Brasil, Mato Grosso do Sul e Campo Grande), 2010 a 2019: implicações de classe, raça e gênero no perfil epidemiológico e suas tendências

Este estudo descreve o perfil e a tendência de mortalidade masculina por causas externas em três agregados ecológicos. Trata-se de estudo descritivo de séries temporais com dados do município de Campo Grande (CG), do estado de Mato Grosso do Sul (MS) e do Brasil, de 2010 a 2019. Os números de óbitos...

Full description

Saved in:
Bibliographic Details
Published inSaúde e Pesquisa Vol. 17; no. 1; p. e11403
Main Authors Mesaque Martins, Alberto, Recalde Dal Vesco, Gabriel, Anes Dutra, João César, Maria Medeiros Ribeiro do Carmo, Rhayane, João Baptista, Cremildo
Format Journal Article
LanguageEnglish
Published 31.03.2024
Online AccessGet full text

Cover

Loading…
More Information
Summary:Este estudo descreve o perfil e a tendência de mortalidade masculina por causas externas em três agregados ecológicos. Trata-se de estudo descritivo de séries temporais com dados do município de Campo Grande (CG), do estado de Mato Grosso do Sul (MS) e do Brasil, de 2010 a 2019. Os números de óbitos e de habitantes para cada agregado foram recuperados do DATASUS. De 2010 a 2014, o estado de MS apresentou taxas mais elevadas de mortes por causas externas que passaram a ser próximas às taxas do Brasil de 2015 a 2019. Houve tendência geral de queda das taxas de mortalidade na série histórica, contudo, observou-se aumento de óbitos por lesões autoprovocadas e óbitos de indígenas e amarelos especialmente em CG. É necessário aprofundar as questões psicossociais que se interrelacionam na constituição de vulnerabilidades masculinas às causas externas e construir ações preventivas efetivas para a população masculina. Palavras-chave: Mortalidade, Saúde do Homem, Causas externas.   INTRODUÇÃO No Brasil, como em outros países da América Latina, os homens vivem aproximadamente sete anos a menos que as mulheres, estão mais vulneráveis a diversos agravos e enfermidades1-3 e aderem menos às ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, além do seu maior distanciamento e menor busca por serviços de saúde, em especial aqueles da Atenção Primária4,5. Nesse sentido, é recorrente que os homens utilizem com maior frequência os serviços de urgência e emergência, em situações de doença já manifesta e em estado já avançado, muitas vezes levados por uma mulher3-5. Por isso, estudos apontam a necessidade de considerar as implicações de variáveis psicossociais nas análises dos determinantes de adoecimento e mortalidade da população masculina1-3,6. Esse cenário da saúde do homem chama atenção para as barreiras culturais e institucionais que inviabilizam a vinculação dos homens aos serviços de saúde e às práticas de autocuidado5-8, devendo-se levar em consideração as implicações dos modos como os homens ainda são socializados, que refletem os diferentes sentidos culturalmente atribuídos e difundidos sobre ser “homem de verdade”9,10. Na sociedade machista e patriarcal brasileira, os homens ainda são percebidos como hierarquicamente superiores às mulheres e supostamente dotados de natureza viril, cuja força física, coragem e sentimentos de invulnerabilidade se expressam como atributos biológicos essenciais e permanentes3,10. Nessa vertente, em alguns contextos brasileiros, desde tenra idade, os homens lidam com a pressão social para comprovar a sua virilidade, frequentemente pela exposição dos meninos a diversas situações de risco, nas quais devem, a qualquer custo, defender a sua honra e atestar, frente aos demais, a sua masculinidade3,9-12. Esse cenário também aponta para a necessidade de se reflexão sobre os sentidos, culturalmente atribuídos ao ser homem9,10. Nessa perspectiva, para além da dimensão anatômica e biológica, é possível caracterizar a masculinidade enquanto um conjunto de estereótipos e práticas sociais que refletem expectativas culturais sobre os homens, os quais são estimulados, durante o processo de socialização, a assumir comportamentos considerados como masculinos, sobretudo, práticas de poder e violência, mas também de produtividade, provisão material e segurança, favorecendo exposição desses sujeitos ao risco3,12. No Brasil, as causas externas, especialmente os homicídios, os acidentes de trânsito e os suicídios, são a principal causa de incapacidade, internação e morte, comprometendo o bem-estar e a qualidade de vida, além de reduzir a expectativa de vida dos homens1,13,14. A morbimortalidade masculina por causas externas, portanto, é considerada um dos principais problemas de Saúde Pública, sendo mais expressiva nas capitais e nos grandes centros urbanos15-17, mas também presente em contextos rurais e indígenas18. Raça/etnia, geração e classe social são marcadores que tornam as estatísticas de mortalidade masculina mais expressivas, indicando grupos de homens mais suscetíveis às causas externas14. Estudos constataram maior vulnerabilidade às causas externas dos homens jovens, negros e pobres, chegando a ser quatro vezes maior19, em alguns contextos, quando comparada aos homens adultos/idosos, brancos e de maior poder aquisitivo. Por exemplo, Araújo et al.20 evidenciaram que a população negra de Salvador morre devido a causas externas em idade mais precoce e perde 12,2 anos potenciais de vida a mais em relação às pessoas brancas do mesmo contexto. Isso indica a necessidade de construção de análises que levem em conta as interseccionalidades desses marcadores na determinação das vulnerabilidades masculinas às causas externas de adoecimento e morte21-24. Apesar de a população masculina ser mais afetada pelas causas externas, a produção científica brasileira, assim como as ações voltadas para a Saúde do Homem, além de incipientes, ainda estão voltadas para enfermidades relacionadas ao sistema genital e urológico, câncer da próstata e disfunção erétil25,26, sendo imperioso que, junto ao recorte de gênero, se avaliem múltiplos fatores que se somam para construir contextos de maior vulnerabilidade masculina, de modo a definir propostas de políticas, programas e ações voltadas para o enfrentamento das causas externas, em especial, os homicídios, os acidentes de trânsito e suicídios25,26. Ademais, são necessárias abordagens analíticas além das quantitativas e que se debrucem sobre a questão para a compreensão das implicações de gênero, em especial do processo de construção social das masculinidades, na produção de morbimortalidade por causas externas na população masculina27. Assim, esse estudo tem como objetivo descrever a tendência e o perfil epidemiológico de mortalidade masculina por causas externas em três agregados ecológicos (Campo Grande, Mato Grosso do Sul e Brasil), no período entre 2010 a 2019, discutindo as. implicações de escolaridade, raça e gênero no perfil epidemiológico e suas tendências.   MÉTODOS Trata-se de um estudo observacional retrospectivo, no qual realizou-se uma descrição quantitativa de séries temporais da mortalidade masculina por causas externas em três agregados ecológicos no período de 2010 a 2019. Os agregados comparados foram o Brasil, o estado de Mato Grosso do Sul e sua capital, município de Campo Grande. Os números de óbitos por causas externas (capítulo XX da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID 10 - 10ª Revisão) bem como os números de habitantes por ano para cada unidade ecológica foram recuperados do DATASUS28. Foram calculadas taxas de mortalidade brutas e padronizadas por idade (faixas etárias) por ano para cada 100.000 habitantes utilizando o método direto com base na população brasileira correspondente obtida no censo de 2010. Foi aplicado o método standard no pacote PHEindicatormethods. Nas análises, não foram incluídos os óbitos com idade ou raça/cor ou escolaridade ignorada. Amarelos e indígenas foram agrupados devido às suas baixas frequências absolutas. Para a comparação entre os três agregados, utilizamos as características raça/cor de pele, escolaridade e os Grande Grupos da CID-10 das Causas externas. Para verificar tendência de crescimento ou decrescimento das taxas no período em análise, a variação das taxas brutas e padronizadas de mortalidade por causas externas nos dez anos em estudo foi avaliada por regressão linear simples em função dos anos em estudo, assumindo nível de significância de 5%. Foi utilizada a estatística de teste F para comparar o modelo sem preditores (somente com o intercepto das taxas de mortalidade) com o modelo contendo os anos em análise. A hipótese nula é a de que os ajustes dos modelos sem as variáveis independentes (somente com o intercepto) e com as variáveis independentes são iguais. Via de regra, se o p-valor do teste F de teste de significância global for menor que o nível de significância estipulado, rejeita-se a hipótese nula. O valor de R-quadrado ajustado ou modificado (R²) foi utilizado para estimar a extensão da variância das taxas de mortalidade que pode ser explicada pela variável ano. Este teste leva em conta apenas o impacto das variáveis independentes com efeito estatisticamente significativo sobre a variável dependente. O valor do R² varia de 0 a 1 e quanto maior, melhor é o ajuste da equação de regressão, indicando que a variável independente incluída no modelo é boa candidata para determinar a variação na variável dependente.   RESULTADOS No período em análise, ocorreram no Brasil 1.242.443 (100,0%) óbitos masculinos por causas externas, das quais 16.623 (1,34%) no estado de Mato Grosso do Sul e 4.292 (0,35%) no município de Campo Grande. De 2010 a 2014, o estado de Mato Grosso do Sul apresentou taxas mais elevadas, que passaram a ser próximas às taxas do Brasil de 2015 a 2019. Os modelos de regressão linear indicam que houve tendência geral de queda das taxas de mortalidade padronizadas no período analisado (Tabela 1) para os agregados Campo Grande (p-valor <0,001) e Mato Grosso do Sul (p-valor <0,0001), passando de 139,63/100 mil para 105,38/100 mil em Mato Grosso do Sul e de 115,39/100 mil para 86,30/100 mil no município de Campo Grande. A tendência de queda para o Brasil foi estatisticamente limítrofe (p-valor 0,054), passando de 122,32/100 mil para 106,19/100 mil (Figura 1). Observando a faixa etária mais afetada, a de 20 a 29 anos, nota-se que para cada 100 mil homens, essa faixa etária respondia por 196,92 óbitos em 2010 e passou a responder por 108,13 óbitos em 2019 no município de Campo Grande. No estado de Mato Grosso do Sul, respondia por 212,89 óbitos em 2010 e caiu para 136,87 óbitos em 2019, enquanto que no Brasil como um todo, essa faixa etária respondia por 197,53 óbitos em 2010 e passou a responder por 168,16 óbitos por causas externas para cada 100 mil homens em 2019. É importante pontuar que a mortalidade de homens no estado de Mato Grosso do Sul te
ISSN:2176-9206
2176-9206
DOI:10.17765/2176-9206.2024v17n1.e11403